Síntese das revisões sobre “Políticas de qualificação profissional” e apontamento de lacunas de pesquisa
As políticas de qualificação profissional no Brasil têm sido um componente crucial das estratégias de desenvolvimento econômico e social do país. Estas políticas visam alinhar a oferta de mão de obra às demandas do mercado de trabalho, promovendo a inclusão social e a melhoria das condições de emprego (Araújo; Lima, 2014). De fato, como afirmam Dirno Vilanova da Costa (2019) e Markus Maurer (2021), as políticas de qualificação profissional são estratégias governamentais e institucionais destinadas a capacitar indivíduos com habilidades e competências para atender às demandas do mercado de trabalho. Essas políticas englobam programas educacionais, treinamentos técnicos e iniciativas de desenvolvimento de habilidades que visam melhorar a empregabilidade e a produtividade da força de trabalho.
Nesse sentido, a política pública de qualificação visa promover a universalização do direito dos trabalhadores à capacitação, contribuindo para o aumento da probabilidade de obtenção de emprego decente, inclusão social e redução da pobreza. No Brasil, as políticas de qualificação profissional evoluíram significativamente desde o século XIX, com um foco crescente na intermediação pública de trabalho e na qualificação profissional como formas de regular a oferta e demanda de trabalho (Araújo; Lima, 2014). Porém, a partir dos anos 1990, houve uma intensificação das políticas de flexibilização do mercado de trabalho, o que levou a um aumento das taxas de desemprego e à necessidade de novas abordagens para a qualificação profissional (Silva; Bittencourt, 2021).
As políticas de qualificação profissional, tanto no Brasil, quanto em outros países de renda média, são influenciadas por fatores socioeconômicos e ideológicos (Alves; Mendes, 2022; Mawn et. al., 2017). Por exemplo, muitos programas são criados para atender à demanda crescente por qualificação profissional em resposta às políticas macroeconômicas e seus efeitos (Maïga et. al., 2020). Alguns estudos sobre programas específicos (Araújo; Lima, 2014; Alves; Mendes, 2022) mostram que a qualificação profissional pode aumentar a renda e a formalização dos trabalhadores; outros, a tratam com desconfiança, apontando críticas sobre a eficácia dessas políticas em elevar realmente a escolaridade e a renda salarial (Jiménez; Campos-García; De-Pablos-Heredero, 2022), além de informar que a implementação de programas enfrenta desafios em atender, simultaneamente, às necessidades imediatas de qualificação profissional e à formação cidadã (Costa, 2019).
No que se refere aos desafios, os estudos consultados indicam que, apesar dos esforços do governo federal, muitos brasileiros ainda não recebem treinamento adequado ou não desenvolvem habilidades exigidas pelo mercado (isso ocorre também em outros países, como Espanha e Portugal). Os programas de treinamento profissional apresentam resultados mistos em termos de emprego e rendimentos, ressaltando a necessidade de identificar características promissórias desses programas para aprimorar futuras políticas públicas. Destaca-se também a ausência de avaliações sistemáticas dos programas de qualificação profissional, o que limita a compreensão sobre quais modelos são mais eficazes em diferentes contextos sociais. Nesse sentido, as lacunas descritas pela literatura vão em direção a três fatores mais gerais: a) desigualdades regionais e sociais; b) avaliação de impacto dos programas de qualificação; c) integração entre educação e formação profissional.
As políticas de qualificação frequentemente não consideram as disparidades regionais e sociais, resultando no acesso desigual às oportunidades de formação. Estudos que analisem essas desigualdades são necessários para desenvolver políticas mais inclusivas. Por outro lado, há uma deficiência de estudos que medem de forma robusta os efeitos dos programas de qualificação sobre a empregabilidade e a renovação dos participantes. Indicam-se avaliações experimentais que procurem determinar a eficácia dos programas na redução do desemprego, pois há uma limitação de estudos desse tipo. Por fim, a articulação entre o sistema educacional formal e os programas de formação profissional ainda é deficiente, resultando em trajetórias formativas fragmentadas. Ressalta-se que o padrão educacional vigente limita o avanço da formação profissional da força de trabalho no Brasil.
Referências
ALVES, Luciana Argôlo Correia; VENTURA, Alexandre; MENDES, Thiago Souto. Revisão sistemática da literatura sobre avaliação de programas nos cursos profissionalizantes em Institutos Federais no Brasil. New Trends in Qualitative Research, v. 12, p. e727-e727, 2022.
ARANDA JIMÉNEZ, José Ramón; CAMPOS GARCÍA, Irene; DE PABLOS HEREDERO, Carmen. Vocational continuing training in Spain: Contribution to the challenge of Industry 4.0 and structural unemployment. Intangible Capital, v. 18, n. 1, p. 20-38, 2022.
ARAUJO, Tarcisio Patricio de; LIMA, Roberto Alves de. Formação profissional no Brasil: revisão crítica, estágio atual e perspectivas. estudos avançados, v. 28, p. 175-190, 2014.
DA COSTA, Dirno Vilanova. Reflexões acerca da constituição da educação profissional e tecnológica (EPT) no Brasil: uma abordagem sócio histórica. Brazilian Journal of Development, v. 5, n. 1, p. 801-813, 2019.
ESCOBAR, Fabíola Lima; SILVA, Maria Aparecida. Trabalho como pressuposto para educação profissional. Horizontes-Revista de Educação, v. 3, n. 6, p. 49-59, 2015.
MAWN, Lauren et al. Are we failing young people not in employment, education or training (NEETs)? A systematic review and meta-analysis of re-engagement interventions. Systematic reviews, v. 6, p. 1-17, 2017.
MAÏGA, WH Eugenie et al. A systematic review of employment outcomes from youth skills training programmes in agriculture in low-and middle-income countries. Nature Food, v. 1, n. 10, p. 605-619, 2020.
MAURER, Markus. O reconhecimento da aprendizagem prévia em sistemas de educação e treinamento vocacional de países de renda baixa e média: Uma análise do papel da cooperação para o desenvolvimento na difusão do conceito. Research in Comparative and International Education , v. 16, n. 4, p. 469-487, 2021.
SILVA, Pedro Henrique Oliveira; BITTENCOURT, Ibsen Mateus. Revisão Sistemática da Literatura de Competências Profissionais para Inovação: uma análise dos últimos 10 anos. Cadernos de Prospecção, v. 14, n. 4, p. 1130-1144, 2021.